La marée haute
Sea Serpents IV (detail) Gustav Klimt
Voo
Não resisto a embelezar o blog com as palavras do
Sísifo, que escreve como quem voa por dentro das palavras, tal como uma ave na carícia de uma mão se entrega.
À tarde o avô levava-me ao jardim e os pombos vinham comer as migalhas das bolachas aos meus pés, antes de ousarem bicar com perícia a palma da minha mão.
Estranhava que podendo eles voar, podendo eles seguir um rumo de excesso para a distância em que se vê um largo horizonte, preferissem ficar ali comigo, na magreza de uma migalha.Sísifo
Para arejar a vista...
O Amor e o Tempo
A propósito do texto anterior veio-me à memória vaga este poema que li há muito tempo num dos livros de memórias de Beatriz Costa - encantadoras e divertidas as descrições das viagens e os episódios da vida de uma mulher incomum. Não sei quem o escreveu (António Botto?) apenas o fixei, como quem (se) fixa (em) algo que parte de si aceita e outra parte nega.
Reza mais ou menos assim:
O Amor e o TempoPela montanha alcantilada
os quatro em alegre companhia
de mão dada, o Amor, o Tempo,
a minha amada e eu seguíamos um dia.
Da minha amada no gentil semblante já se notavam indícios de cansaço
O Amor passava-nos adiante e o Tempo acelerava o passo.
Amor! Amor! Mais devagar! Não corras tanto assim que tão depressa
não pode decerto caminhar a minha doce companheira!
De súbito, abrindo as asas trémulas ao vento,
volta-se o Amor e diz com azedume,
Tende paciência amigos meus,
Eu sempre tive este costume de fugir com o Tempo!
Adeus, adeus!Etiquetas: e as palavras e os poemas
A morte é a ausência do desejo*
Norbert Rosing
Li
As intermitências da morte e um pouco por espanto meu, gostei. Há muito que nada lia de Saramago, culpa dele que não vai de encontro aos meus mais profundos gostos, embora lhe admire o uso da linguagem e a imaginação.
A morte deitada ao lado do seu amante... Esse que a morte morte era suposto matar, apaixonou-se por ela, morte feita mulher. Ela a morte por o amar fugiu ao próprio destino. Ter-se-à o amor cumprido e alcançado o seu fado, o de matar a morte?...
*A morte é a ausência do desejo, disse Tenesse Williams.
Perfeição...
Petit Parisien Willy Ronis
Coisa ruim*
Há tantas expressões sedimentadas no vocabulário popular que podem servir de mote à escrita ou ao invés ser nomeadas depois de escrito um texto, realizado um filme. Nisto de
nomear as coisas há pelo menos dois processos opostos e nenhum deles tem necessariamente mais força que o outro. Ou se escolhe um título e se desenvolve à volta dele uma história ou se cria o enredo e se lhe dá um nome a posteriori. Escrever não é um ficar sentado à espera da lâmpada mágica que se acende. Escrever não é encontrar palavras para decorar espaços vazios. É procura no que ela tem de esforço. Como o poeta, pômos os pés ao caminho rasgando-o e, quantas vezes, não se transforma ele num traçado com destino e história. E os caminhos dão-nos as mãos e nós deixamo-nos levar, certos da entrega despojada aos lugares que vamos sendo.
*Bom título para o filme!