Espelho, espelho meu
Se ontem acordei com o rosto inchado e com dores e fui a correr ao dentista com cara de poucos amigos (afinal tinha ido lá na sexta para terminar o processo de desvitalização de um dente), hoje acordei com um inchaço, sei lá, 8 vezes pior. Quando acordei a meio da noite e sem dores, pensei: ah, afinal os medicamentos começaram a fazer efeito - afinal, nada menos que 4 tipos diferentes de comprimidos, incluindo 2 Clonix de cada vez em sos. Durou pouco o pensamento quando me defrontei com uma pessoa estranha no espelho. Não, aquela não era eu. O meu rosto parecia ter sido alvo de um combate de boxe ou de uma cirurgia plástica: inchado, deformado, parecia tudo fora do sítio, enfim era um ser alienígena que me olhava do lado de lá. E pensei, eu que sou de tão femininas vaidades, o quanto certos sinais exteriores de bem estar e feminilidade nos fazem falta quando se ausentam, mesmo que momentaneamente. E tem também a ver com a questão da identidade. Pessoal e feminina.
Não saí de casa. Liguei ao médico, perguntei se era normal, disse-me que sim.
Agora é esperar. E eu, que tinha a agenda da semana cheia de planos e projectos, tive que alterar tudo. Pausa forçada. E tanto comprimido faz-me sentir um bocado zombie. Como não tenho agora dores (tomei há pouco 2 Clonix) e tenho evitado o espelho, às vezes penso que está tudo normal. Mas basta olhar para ele para perspectivar as coisas: neste momento a minha identidade está meio perdida - o suficiente para me inibir de sair à rua.
Curiosamente li hoje uma reportagem do Expresso sobre o Plano de Protecção de Testemunhas onde se citava o caso de uma mulher que, vítima de várias ameaças de morte por ter presenciado um crime violento, decidiu trocar de rosto no cirurgião plástico. Por muito bonita que pudesse ter ficado (e o objectivo não era esse, era mesmo mudar de identidade) imagino, aliás, não imagino, o antes e o depois daquela mulher. Ganhou a liberdade à custa de uma parte de si. Entre o medo e a coragem optou pela vida, esqueceu as identidades físícas, imaginou que daqui a muitos anos somos todos pó conseguindo assim abstrair-se da questão da aparência (e note-se que ficou mais atraente depois da cirurgia, Biscaia Fraga dixit). Valente, é assim que a imagino.
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