Desencontros únicos
As coisas têm de sair, dê por onde der. Chore, deixe sair essa mágoa e siga em frente.Seguir em frente? Sorri com ironia para a voz que se encaminhava para aquele homem.
Há desencontros, sabia? Você não é o primeiro a quem isso acontece, sussurrava-lhe a voz. Mas com aquela idade, que mágoa poderia ter asas para sair, por que porta poderia a esperança entrar? Raios partam essa voz profissional e fria, desmemoriada de vida, que ainda bem que só eu oiço, pobre homem.
Amei-a muito mas fui obrigado a separar-me. Não quis saber que real obrigação lhe tinha imposto o afastamento mas acreditei que devia ter sido inapelável.
Amei-a e continuo a amá-la, falava ele sem nada lhe ter perguntado, nem sei como a palavra amor veio a propósito naquela conversa primeiramente banal.
Casei depois com outra pessoa, muito boa senhora e minha actual mulher mas nunca esqueci a minha primeira mulher e ainda gosto dela. Falamos ao telefone quando é o Natal ou os anos, sabe? Ela tem a vida dela e eu a minha mas nunca a vou esquecer. É uma mágoa que me está aqui atravessada.Esta é uma história que interpretei. O homem de 80 anos, olhar húmido e brio no porte cansado e direito, existe e existe a história tal como me foi contada por ele no meio de uma conversa casual sobre o tempo.
Acredito que se àquele homem fosse dado o poder de voltar atrás no tempo, possivelmente nada iria conseguir nem quereria mudar no curso da vida tal qual ela é e foi. Os desencontros no amor são uma praga que alguns reconhecem, outros atribuem ao destino e outros, como eu, simplesmente não compreendem a - será maldade? - a maldade que constrange e afasta.
Para aquele homem que vive metade da vida no ontem, o que mais o move são ainda as lembranças e as imagens de um tempo passado há muito, de um tempo em que o presente abriu estradas e a paisagem se alterou sem remédio.
Talvez noutra vida a encontre.
De seguida colocou o chapéu e apertou-me vigorosamente a mão.
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