Pertencer *
Au Coeur de la Glace
Philippe BourseillerTenho a certeza de que no berço a minha primeira vontade foi a de pertencer. Por motivos que aqui não importam, eu de algum modo devia estar sentindo que não pertencia a nada nem a ninguém. Nasci de graça.
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Exactamente porque é tão forte em mim a fome de me dar a alguém, é que me tornei bastante arisca: tenho medo de revelar de quanto preciso e de como sou pobre. Sou sim. Muito pobre. Só tenho um corpo e uma alma. E preciso de mais que isso. Quem sabe se comecei a escrever tão cedo na vida porque, escrevendo, pelo menos eu pertencia um pouco a mim mesma. O que é um fac-símile triste.
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Se meu desejo mais antigo é o de pertencer, porque então nunca fiz parte de clubes ou de associações? Porque não é isso que eu chamo de pertencer. O que eu queria, e não posso, é que tudo quanto viesse de dentro de bom de dentro de mim eu pudesse dar aquilo a que pertencesse.
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Pertencer não vem apenas de ser fraca e precisar unir-se a alguém mais forte. Muitas vezes a vontade intensa de pertencer vem em mim de minha propria força - eu quero pertencer para que minha força não seja inútil e fortifique uma pessoa ou uma coisa.
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A vida me fez de vez em quando pertencer, como se fosse para me dar a medida do que perco não pertencendo. E então eu soube: 'pertencer é viver'. Experimentei-o com a sede de quem está no deserto e bebe sôfrego os últimos goles de água de um cantil. E depois a sede volta e é no deserto mesmo que caminho.* Clarice Lispector* Para partilhar, para que pertença a quem não conhece e se queira aventurar na descoberta de uma das maiores escritoras brasileiras actuais.
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