Por eso me quedo*
Tu sabes ou intuirás talvez. Não tenho atendido o telefone quando vejo o teu número porque és presente ainda. E é estranho como passados 6 meses ainda me dóis. Isto não é contra as leis da Natureza ou as de Murphy que devem dizer alguma coisa do género, deixa o tempo correr, tudo passa? Uma parte de mim diz que sim e outra parte diz qu e não e é neste (des)equilíbrio que me sustento, que a alma se sente quente e fria quando não penso em ti, que me envolvo na vida, na escrita, nas actividades de que partilhaste os desabafos. Está a tornar-se tudo mais fácil e ainda mais difícil. Um dia deixarás de me ligar, afinal a minha ausência mostra a minha mais profunda indiferença. E nessa altura, quando dentro de ti me tiveres dito adeus, eu me sinta doendo a frio e te envie um poema que tenho guardado, derradeiro presente feito à medida pelo poeta que há 50 anos adivinhou o que viríamos a sentir. É é nessa altura que te quererei ver, mergulhar os meus olhos nos teus e deixar que os teus me invadam, prenhes dessa paixão imensa que descobrimos arrebatadora antes e depois do fim e constatar que nada se repete nunca. Pode-se ter na vida mais que uma alma gémea? Eu achava que não e sem o saberes ensinaste-me que sim, que é possível. Que as almas gémeas existem para aquele momento da vida e que se o momento se vai elas ficam como memórias especiais que o tempo não desmaia, a não ser que tudo não tenha passado de um equívoco sentimental e a cumplicidade absoluta tenha sido apenas um sonho, projecção idealizada do que queremos no outro e naquele momento julgámos descobrir. E se for isso, adeus memória. Achei ter descoberto o mundo nos olhos de alguém e hoje duvido de tudo, do amor, do carinho, do respeito, da perenidade da memória. Por eso me quedo.
Um dia deixarás de me ligar para sempre e eu receio esse dia, e talvez nessa altura te queira eu ligar, enterrado que estará o passado em ti. Esse dia morre-me e anoitece-me o coração. Ainda não consegui fazer destes cacos destroçados coragem. Um dia talvez. Num dia em que tudo acabar dentro de ti (Os amores começam antes de acomeçar e acabam antes de acabar, Pedro Paixão, lembras-te?) talvez assome a dor de já não te saber meu. E aí sofrerei de novo, e serei eu a querer ver-te e aperceber-me-ei então, cruamente, que foste só um sonho e que os sonhos não passam disso se não se realizarem em projectos de vida convictamente defendidos. E eu não quero menos que tudo.
Por enquanto estás escrito com sangue cá dentro. Gravado a ferros. Mas o sangue limpa-se e os ferros apagam-se.
*música de Lhasa de SelaEtiquetas: com o sol a iluminar o olhar