Despreendimento
Quando atravessei a escuridão e a distância para estar presente não estava à espera de retorno, de agradecimentos comovidos. O pudor é para mim a segunda natureza da amizade mais pura. O pudor e a presença.
Quando dou não quero nem posso cobrar nada nem é disso que se trata. Mas sou humana! Porque é que sem eu dizer nada, não me adivinhas a dor e a solidão em cada momento que as sinto? Não vês que quanto mais me isolo mais preciso de ti? Mesmo que eu não consiga articular sábias palavras e os pensamentos surjam dispersos e caóticos; mesmo que o meu olhar esteja distante e sem brilho. É quando mais me afasto que mais preciso que gostes de mim.Nem sei bem o que isto é. Não é dirigido a ninguém em particular. É uma coisa que estava escrita dentro de um dos vários eus que às vezes sofre sem saber porquê. É o interiorizar que: despir a camisola para aconchegar o outro não nos garante a reciprocidade do gesto; que mesmo assim há um imperativo que nos exige o gesto primordial de estender a mão à procura de outra que se adivinha na obscuridade; que sabe bem sentirmo-nos reconhecidos e sentir a presença do outro; que o outro é às vezes alguém totalmente inesperado que se lembra de nós; que há pessoas que conseguem iludir os nossos risos e lágrimas e ver além dessa névoa que nos esconde; que acredito na esperança; que acredito nas pessoas apesar delas mesmas; que somos humanos; que me sinto magoada; que me sinto grata; que quero cultivar o despreendimento...