O tesouro do mar
De ressaca de fim de semana, entrelendo poesia africana, passando os olhos por poemas de Agostinho Neto, Rui de Noronha, Noémia de Sousa, elegi este* poema para que o blog o guarde e me deleite quando o visitar. Há inúmeros poetas, há qualidade de que não suspeitamos, simplesmente porque não são conhecidos, não nos são dados a conhecer pelas editoras. Muito do que visito parte também dessa curiosidade de vasculhar a biblioteca e folhear e trazer aos molhos palavras que descubro encadeadas por ritmos da Língua, das origens, das terras e dos sons da vida. Já aqui deixei poemas de poetas finlandeses, espanhóis, sempre nessa impossível e por isso também grata procura do que desconheço e me surpreende pela força e beleza. Em cruzada continuemos.
*Ressaca
Venham todas as vozes, todos os ruídos e todos os gritos
venham os silêncios compadecidos e também os silêncios satisfeitos;
venham todas as coisas que não consigo ver na superfície da sociedade dos homens;
venham todas as areias, lodos, fragmentos de rocha
que a sonda recolhe nos oceanos navegáveis;
venham os sermões daqueles que não têm medo do destino das suas palavras;
venha a resposta captada por aqueles que dispõem de aparelhos detectores apropriados;
volte tudo ao ponto de partida,
e venham as odes dos poetas,
casem-se os poetas com a respiração do mundo;
venham todos de braço dado na ronda dos pecadores;
que as criaturas se façam criadores;
venha tudo o que sinto que é verdade
além do círculo embaciado da vidraça...
Eu estarei de mãos postas, à espera do tesouro que me vem na onda do mar...
A minha principal certeza é o chão em que se me amachucam os meus joelhos doloridos,
mas todos os que vierem me encontrarão agitando a minha lanterna de todas as cores
na linha de todas as batalhas.Osvaldo Alcântara(aqui)Mário de Andrade
Antologia temática de poesia africana 1
Na noite grávida de punhaisLivraria Sá da Costa Editora, 1975