Das emoções sonolentas e atentas
Não precisaria que Clarice Lispector escrevesse esta frase dita por Ulisses a Lóri, para que tivesse dado entrada há muito no meu entendimento-intuição-dedução:
Nos piores momentos, lembre-se: quem é capaz de sofrer intensamente, também pode ser capaz de intensa alegria.
Não faço a apologia do sofrimento nem o quero contrapor à indizível alegria; não espero, não desejo que sejam duas faces fatais da mesma moeda ou que se sucedam alternadamente. E além do mais,
sofrer intensamente custa muito.
O que para mim é sofrimento, para outra pessoa poderá ser encarado como algo tão simples como beber água. A mesma água que bebo tranquila quando algo que poderia desabar sobre mim me endurece e adoça, e me espanta por me mostrar as forças até então desconhecidas.
Gostava que as alegrias fossem esfusiantes e o sofrimento moderado mas nem sempre (nunca?) é assim e não creio que as pessoas de paixões e sentimentos fortes, mesmo aparentemente cheias de bonomia consigam facilmente atravessar a terra de ninguém do indolor e incolor. E prevenir a dor não arriscando a entrega priva-nos da imensa alegria de viver.
O preço a pagar pela entrega passional pode ser a frustração quando sobrevém o desencanto. Porque não há contos de fadas. Porque se controem castelos no ar. Porque as nossas expecativas são legitima ou ilegitamente altas, porque a felicidade se constrói com escolhas, com rupturas, com certezas e algumas dúvidas. Porque (quase) nada nos é dado para sempre e há coisas que nos são dadas poucas vezes na vida.
E é batota dizer que o sofrimento não existe, que passa, que o mundo é vasto demais e há tanto a descobrir! Aquele sofrimento que não sofre por medo de sofrer (eu disse isto, sim) é o que se auto-anula e não se dá a si próprio o espaço de ser, inebriando-se em festas de solidões (des)acompanhadas. E sem
ser, uma contrariedade num qualquer dia inesperado vai despoletar aquele medo mais antigo e raspar a ferida, sangrá-la. Sofre-se mais às prestações.