Shoah
Queria comentar a crónica da Inês Pedrosa no Expresso de sábado passado, que é como sempre tão rica de referências, de inteligência, de cultura e sensibilidade, tem tantas pontas por onde pegar mas hoje não me apetece escrever e isto não é desculpa de mau pagador. Sou um paradoxo ambulante e cansado de um dia de emoções, mas que não resiste à palavra dita e/ou escrita com inteligência e boa formação.
O negrito é meu para acentuar do texto o que sempre me choca, a hipocrisia, neste caso dos governantes.
Somos netos desse lugar de abominação onde não estivémos (...). Os filhos de Auschwitz fugiram do horror; os netos têm de o recuperar, são os últimos que podem fazê-lo - e iluminá-lo, procurando compreendê-lo, para limitar as suas repetições. A arte não traz a porta de saída de Auschwitz, e não apenas porque os carrascos se arrepiavam perante a grande música ou lacrimejavam diante de um mau poema. Não podemos entregar nada aos carrascos, nem sequer o privilégio de demarcar um campo estético (...). Mas há um problema ético: a arte, mesmo a mais imune ao kitsch, pertence ao campo do belo - e é imoral extrair emoções de Auschwitz: Porém, será ainda mais imoral rasurar emocionalmente Auschwitz e atingir esse ponto de complacência em que aceitamos que 12 deputados do Parlamento alemão saiam da sala em protesto contra a homenagem às vítimas do Holocausto. Aconteceu agora, na passagem dos 60 anos da libertação de Auschwitz. E 41 países membros da ONU - cujos nomes foram mantidos num incompreensível segredo - votaram contra idêntica homenagem.(...)
Quando, no dia 27 de Janeiro, me sentei por uma hora na Livraria Buchholz para ler e e escutar outras leituras sobre a Shoah (perfeita palavra, onomatopaica e silenciosa), queria falar do Bloch (Marc Bloch, fuzilado depois de torturado) e dizer que somos todos judeus. Não consegui dizê-lo ali. Mas continuarei a escrevê-lo, porque nas mãos dos netos repousa o trabalho da eternidade. Shoah.
Inês Pedrosa, Expresso, 5/02/05.
Sessenta anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, o Memorial do Mártir Judeu Desconhecido e o Centro de Documentação Judaica Contemporânea (CDJC) criaram o Memorial do Shoah, inaugurado nesta quinta-feira (27/01) no bairro histórico de Marais, em Paris. A idéia do projeto é "multiplicar as iniciativas de sensibilização dentro de um difícil contexto nacional e internacional".