Crónica, que crónica?
Se eu fosse,
ai se eu fosse (para ler cantando) uma cronista avençada para semanalmente discorrer sobre o que me aprouvesse e à falha de inspiração, diria alguma coisa assim
pouco mais ou menos, a nossa língua tem expressões populares que me estão neste preciso momento a dar aqui uma ideia para alguma coisa que não sei ainda bem qual é.
Pagam-me para escrever uma crónica semanal. Religiosamente tenho cumprido essa obrigação prazer de escrever, buscando na realidade motivos que não faltam. Mas que acontece quando apesar de haver fartos temas o digo não se intromete e diz obrigada eu não escrevo. Recuso-me a vender semanalmente a minhas palavras, logo sobrevindo o lado prático da consciência alertando para as desvantagens da revolta, o ser imperiosamente necessário, a bem das finaças privadas, fazer algo que nem sempre apetece para continuar a ter a possibilidade de fazer o que se gosta muito.
Poderia escrever, à falta de assunto, do tempo, inesgotável tema de conversa, do frio que faz, da nesga de rio que amanhece na minha janela todos os dias vestido de cores e horizontes diferentes; ou do sol que espreita ou da névoa friorenta que cobre o leve embalo da água ou a luminosidade que invade o dia por momentos e logo desaparece quando viro as costas e volto a virar, o rio está diferente e o dia é mais um igual aos outros.
Poderia escrever sobre sonhos e de como são horizontes nunca alcançados por vocação e natureza, de como precisamos deles para seguir viagem, sempre em busca de mais um sonho, de um mais além para além do que se vê e para além do possível, essa contínua busca do desconhecido que se deseja feliz eternamente feliz imutável e estimulante sem tédio. É contra o tédio que escrevo. Sem mudar nada nem o meu próprio mundo e escrever sem agir muda alguma coisa? Mas quem diz que um escritor quer mudar o mundo? Um escritor, e esta palavra é ela própria tema para mais que uma crónica, é para um livro inteiro, um escritor escreve por prazer porque é obrigado interiormente a escrever e não porque uma revista semanal lhe diz que sim, escreve por prazer mesmo que lhe doa alguma coisa na escrita que desenterra fantasmas ou os cria, deles se libertando de qualquer das formas. Um escritor escreve também contra si mesmo, contra esse tédio da vida e contra o tédio de se ser. Miguel Torga, diz num dos poemas, cito de cor
É contra mim que luto,
não tenho outro inimigo
O que digo o que penso o que faço
é que merece castigo
e desespera a lança no meu braço
Termino assim esta inominável crónica, se me perguntarem o que escrevi não me lembro já, alguém se lembra?
E seria talvez assim que escreveria. Ou talvez não. Se começasse agora a escrever debruçar-me-ia, aqui também literalmente, sobre o pequeno almoço e de como pode ser a refeição mais deliciosa do dia em fins de semana de preguiça, um delicioso brunch, mistura de breakfast e lunch, bela composição que alegra os dias sem tempo.
E agora vou ao pequeno almoço, o micro-ondas está farto de apitar.