A minha crónica de Natal
É uma coincidência esta a de, estando a ler um livro de crónicas de A. Lobo Antunes, reparar que a próxima a ler se chama
Crónica de Natal.
"Nesta altura do ano quando chega o Natal lembro-me sempre do meu avô". Não li mais, fiquei parada nas memórias de há quatro anos, o primeiro Natal sem a minha avó paterna presente.
Foi triste o Natal, são-nos todos, assim os vejo, a partir de certos momento da vida há aquelas tristezas paradas no tempo, de memórias felizes. Agarro-me à memória para de seguida, catarse feita, me lembrar da minha sobrinha, a melhor prenda de Natal para todos, que a minha avó tanto gostaria de ter conhecido; amava as netas de igual forma, mas com a minha irmã tinha uma empatia especial. E a minha avó era, é especial. Quando penso muito nela, penso 'Avó, cuida de nós, por favor'.
Nesse Natal de 2000, almoçámos, apenas quatro, o meu pai ausenta-se da mesa no fim do almoço, voltando de seguida com dois embrulhos. A minha avó tinha o hábito de com antecedência, mandar comprar as prendas para cada um de nós. E chega o meu pai e diz.
Isto é da avó, para as netas. Formou-se um nó cá dentro e quatro pares de olhos ficaram subitamente brilhantes. Um por um saímos da mesa, nada dizendo uns aos outros, cada um mergulhando em si e na memória do olhar doce e afirmativo da avó, da mãe, no primeiro Natal sem ela. E a minha avó esteve presente e eu fiquei grata ao meu pai por naquele momento, naquele ano, a trazer assim pela mão, naquela doçura, naquela dor, na libertação afinal.
A vida é mesmo assim. A Maria, a bisneta, nunca saberá como a bisavó a amaria se fosse viva, a bisavó a quem Deus não deu tempo de assistir ao casamento da mãe da Maria.
Como o meu avô. Sem ter tido tempo de vida suficiente para saber que dali a 13 meses iria ter uma neta, tinha, nos últimos meses de vida, acamado e corroído pela doença que o matou, malditos cigarros, uma bonequinha de trapos. Dizia ele que era a neta que
'há-de vir'.
São estas as melancolias que nos fazem chorar nestas alturas, quando pensamos muito nelas.
A vida e a morte são duas faces da mesma moeda. Atire-se ao ar, cara ou coroa, o ciclo repete-se, com naturalidade, desde sempre. Mais aos outros. Quando nos atinge a nós, a dor sabe sempre a amargura e a alegria a eternidade.
E este ano, o nosso presente está ali, deitado no berço, o mais valioso dos tesouros. O meu amor pequenino, repetindo, na nossa família, o ciclo da vida.