(Já amanheceu. 7.45h)
Hoje o céu está mais azul, de um azul escuro a um degradée claro quando chega ao rio. Deve ser da hora em que os fui ver, céu e rio, e tempo.
É sempre a primeira coisa a fazer, acordo e espreito a janela da cozinha de onde vejo o meu pedaço de rio e o o horizonte lá por trás. Oiço a Zizi Possi, num cd que trouxe da biblioteca e creio-me apaixonada (será ilusão a
paixão?) por esta voz de cristal, terna e ondulante.
Acordo cedo. Quase sempre. Hoje ainda bem. Estava a meio de um sonho misturado de coisas que se passaram durante o dia, algumas desagradáveis e reveladoras da arrogância e falta de formação de pessoas que pedindo desculpa porque erraram e o erro é flagrante e grave, pedindo desculpa, dizia, fazem-no com um ressentimento e raiva contidos como se lhes estivéssemos a pôr em causa o 'poder' ao exigir a rectificação do erro. Que de medição de forças se trata, parece quase. Certos funcionários públicos, de certas áreas, sentem-se investidos de um poder superior.
Aparte isso e esta dor de garganta que prenuncia festa, tenho que ir à farmácia assim que sair de casa,
para atalhar esta dor...
E, como uma salta-pocinhas, lembro-me das letras do cd 'A Festa' de Maria Rita, outra das vozes que descobri e a que me rendi. Uma pessoa tem de ter a humildade, o orgulho, de se curvar perante a beleza e a perfeição, na arte, na vida. Que se confundem. Às vezes.
Maria Rita. Acho que o meu preconceituoso pé-atrás se deveu a ser filha de quem é, Elis Regina, aquela voz. E tendo todas as razões para ter vaidade, apresenta-se e é, ou é, simples, simpática, alegre, sem tiques de vedeta (e não é loira, mas uma belíssima homenagem às morenas ela própria) e parece a filha do vizinho. É o vedetismo e a arrogância, que me servem (também) de critério balizador das pessoas. Mas não atiro a primeira nem a segunda pedra. Imagino que em algumas alturas quando passo e olham para mim, pensam,
lá vai aquela de nariz empinado. A verdade é que ninguém está em nenhum pedestal para julgar ninguém; A verdade (a verdade, essa dama de duas faces) é que há coisas que não podemos, não devemos deixar passar, não nos outros não em nós. Acho que já não é orgulho, é educação, formação, sensibilidade,consciência das objectiva das coisas, capacidade (tão difícil) de sair da engrenagem e se revoltar. Não tem nada a ver com cursos, doutouramentos e MBA's (para que conste tenho um curso e uma pós-graduação e por azar não a utilizo na área em que trabalho. Isto é só pontaria. Mas mesmo sem ter pontaria gostaria de tentar mais áreas. Adiante. Um dia acerto.)
Tem a ver com a humana sensibilidade que nenhum curso superior dá. Respeito pelos outros. (E sim, às vezes é tão difícil respeitar certa gente, meu Deus!)
Lá vai a letra, é o vento que a leva (isto é a forma poética de dizer que foram as minhas patinhas de gato a copiá-la) e com licença, que tenho uma pré-constipação para tratar. Até mais ver.
Não vale a pena
Fica difícil,
Tudo aquilo, nada disso,
sobrou meu velho vício de sonhar
Pular de precipício em precipício
Ossos do ofício
Pagar prá ver o invisível
E depois enxergar
Que é uma pena
Mas você não vale a pena
Não vale uma fisgada dessa dor
Não cabe como rima de um poema
De tão pequeno
Mas vai e vem e envenena
E me condena ao rancor
De repente, cai o nível
E eu me sinto uma imbecil
Repetindo, repetindo, repetindo
Como num disco riscado
O velho texto batido
Dos amantes mal amados
Dos amores mal vividos
E o terror de ser deixada
Cutucando, relembrando, reabrindo
A mesma velha ferida
E é prá não ter recaída
Que não me deixo esquecer
Que é uma pena...
Mas você não vale a pena
Não vale uma fisgada dessa dor
Não cabe como rima de um poema
(letra de J. e Paul Garfunkel)