Responsabilidade e responsabilização na blogosfera
Subscrevo as palavras de uma
vieira do mar, que dá voz, neste texto, aquilo que penso e sei, neste particular, por isso o faço, com orgulho e modéstia (orgulho no que penso, acredito e sei, que é sedimentado; modéstia porque as palavras não são minhas).
A blogoesfera é um magnífico espaço de liberdade de expressão que, por isso mesmo, atrai toda a espécie de imbecis e tarados sem vida própria e propicia o desenvolvimento de relações esquizóides entre seres humanos que não se conhecem - as quais, por vezes degeneram na invasão de espaços mútuos e em abusos vários.
É preciso, por isso, que nos consciencializemos de que, ao chamarmos "filho da puta" a alguém numa caixa de comentários, é como se estivéssemos a gritá-lo a plenos pulmões no Rossio, à hora de ponta, e que tal facto nos coloca, automaticamente, sob a alçada da lei penal portuguesa.
Pode, até, ser pior (ao nível das respectivas consequências penais) se o blog em questão tiver (por exemplo) uma média de visitas elevada, caso em que a difamação pode ser agravada, porque praticada através de um meio que facilitou a sua divulgação (art.º 183º, n.º 1, al. a) do C.P.).
Eu, de todas a vezes que chamo nomes a alguém sei bem que o visado, através de uma simples busca no google, pode vir aqui parar e que, se for suficientemente idiota para me dar importância, lhe basta fazer copy paste do meu texto e entregá-lo no DIAP mais próximo. É um risco, este de me poder ver em sarilhos, que eu corro, conscientemente.
Pessoal e profissionalmente, faço uma interpretação muito restritiva daquilo que seja uma injúria (uma ofensa dirigida apenas ao próprio, art.º 181º do CP) ou uma difamação (proferida perante terceiros, art.º 180º), pois entendo que um "filho da puta" ou um "cabrão" proferido no calor de uma explosão emotiva, oral ou escrita, não detém suficientemente dignidade jurídica que justifique, em abstracto, a hipotética aplicação de uma pena de prisão que pode ir até três ou seis meses, respectivamente. Mas, infelizmente, alguns juizes de primeira e segunda instâncias, assim não o entendem.
Já quanto ao crime de ameaça (art.º 153º do C.P.), a interpretação que faço é no sentido contrário, ou seja, bem mais lata e abrangente, pois entendo que, para alguém se sentir com medo (no sentido de cerceado na sua liberdade de auto-determinação) não é preciso que um terceiro lhe diga, expressamente, que lhe quer fazer mal.
Se eu receber, por dias a fio, telefonemas nos quais ninguém fala, ou e-mails em que nada é escrito, ou comentários só com um ponto de exclamação, a ausência de palavras e de imagens pode ser tão ou mais assustadora do que uma profusão delas. O medo pode surgir pelo desgaste e pelo receio do desconhecido, ambos instigados pela imaginação. E não deixa de ser mais verdadeiro, por isso.
Para que se cometa um crime de ameaça, apenas se exige que a actuação do agente seja de molde a, objectivamente, provocar receio e temor (ou seja, tal como provocaria a um homem médio colocado em situação idêntica à da vítima).
Mas, perguntam-me vocês, uma vez que a maior parte dos servidores que alojam blogs se encontram nos EUA e por aí fora, como determinar onde foi cometido o crime?
É fácil. Se alguém vos deixa uma ofensa na vossa caixa de comentários, ou no vosso e-mail, o crime consuma-se no sítio onde vocês a lêem, que é o local onde recebem a informação. O crime consuma-se no local onde nos sentimos ofendidos ou ameaçados porque é nesse momento que o agente alcança o seu objectivo.
Ora, é competente para conhecer de um crime o tribunal em cuja área se tiver verificado a consumação (art.º 19º, n.º 1 do C.P.P.). Não é preciso acrescentar mais nada.
Só um pormenor: os crimes de que vos falei são particulares ou semi-públicos, o que significa que é preciso queixa por parte do ofendido para que se inicie o procedimento penal, sendo que o direito para a exercer se extingue no prazo de seis meses após aquele ter tido conhecimento do facto (art.º 115º do C.P.) Depois de decorrido, já não há nada a fazer.
Na bologoesfera, aplicam-se exactamente as mesmas regras que na vida. Incluindo as jurídicas. É simples, eu acho.
Controversa maresia